A história da moeda é marcada pela tensão entre governantes e cidadãos. No século XVI, o jesuíta espanhol Padre Juan de Mariana (1536–1624) denunciou a adulteração da moeda como uma forma de fraude estatal. Para ele, governantes que inflacionavam a moeda, reduzindo seu valor real, cometiam um ato de tirania. Suas ideias foram tão radicais que defendia o regicídio como resposta extrema a essa prática. Séculos depois, em um mundo digitalizado, o Bitcoin surge como uma solução descentralizada para o mesmo problema: proteger o dinheiro da manipulação governamental e da perda de valor.
Mariana escreveu De Monetae Mutatione, onde criticava a desvalorização monetária promovida pelos reis. Ele via a inflação como uma expropriação disfarçada, prejudicando a população ao reduzir seu poder de compra. Em sua visão, o dinheiro deveria manter seu valor intrínseco e não ser alterado arbitrariamente pelo soberano. Essa perspectiva ecoa nos princípios dos economistas austríacos e dos defensores do Bitcoin, que alertam para os riscos da impressão desenfreada de dinheiro pelos bancos centrais e seus efeitos destrutivos sobre a economia.
O Bitcoin foi criado em 2009 por Satoshi Nakamoto como resposta à crise financeira global. Seu código estabelece um suprimento fixo de 21 milhões de unidades, tornando impossível a inflação arbitrária. Diferente das moedas fiduciárias, que podem ser manipuladas por governos e bancos centrais, o Bitcoin funciona em uma rede descentralizada, onde as regras são imutáveis. Assim como Mariana via a adulteração da moeda como um roubo, os entusiastas do Bitcoin consideram a inflação moderna uma forma de confisco disfarçado que reduz a riqueza das pessoas.
Enquanto Mariana sugeria que a tirania financeira poderia justificar até mesmo o regicídio, o Bitcoin oferece um caminho pacífico para escapar desse controle. Em vez de enfrentar diretamente os governantes, o Bitcoin permite que indivíduos optem por um sistema financeiro alternativo, onde o valor da moeda não pode ser manipulado. Essa estratégia representa uma revolução silenciosa, onde a tecnologia substitui a necessidade de revoltas políticas violentas. O conceito de "exit" – sair do sistema em vez de confrontá-lo – está no cerne da proposta do Bitcoin.
A descentralização do Bitcoin garante que nenhuma autoridade possa alterá-lo à vontade, um contraste direto com a prática histórica de governantes que desvalorizavam a moeda para financiar seus gastos. No século XXI, a inflação continua a ser uma ferramenta política, usada para sustentar déficits e estimular a economia artificialmente. O Bitcoin, ao oferecer uma reserva de valor independente, torna-se um refúgio contra esse modelo. Ele representa, na prática, uma continuidade da luta de Mariana contra a manipulação monetária, mas com um meio mais eficaz e acessível a qualquer pessoa.
O pensamento do Padre Juan de Mariana e a criação do Bitcoin demonstram que a resistência à inflação não é uma ideia nova. O que mudou foi a forma de combatê-la. Se no passado a única solução parecia ser o confronto direto com os governantes, hoje a tecnologia permite uma alternativa pacífica: um dinheiro livre de manipulação. Assim, o Bitcoin se apresenta como a resposta moderna a um problema antigo, permitindo que qualquer pessoa proteja sua riqueza sem depender de decisões arbitrárias do poder estatal.
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