Mises e Menger refutam o Bitcoin?
Bitcoin, o Princípio da Regressão de Mises e a Utilidade Marginal de Menger
A ascensão do Bitcoin como um ativo financeiro e sua possível transição para um meio de troca global geram discussões sobre sua fundamentação teórica dentro da Escola Austríaca de Economia. Dois conceitos centrais dessa escola podem ser aplicados ao Bitcoin: o princípio da regressão de Mises e o princípio da utilidade marginal de Menger. O primeiro explica como um bem adquire valor monetário, enquanto o segundo esclarece como sua utilidade subjetiva influencia seu preço e aceitação. A interseção dessas ideias pode ajudar a compreender o fenômeno do Bitcoin e sua evolução econômica.
1. O Princípio da Regressão de Mises e o Bitcoin
O princípio da regressão de Ludwig von Mises, formulado em The Theory of Money and Credit (1912), argumenta que o valor do dinheiro remonta a um período anterior em que ele possuía um valor de troca baseado em sua utilidade como mercadoria. O desafio teórico que Mises buscava resolver era o chamado problema circular da aceitação do dinheiro: se o dinheiro tem valor porque é aceito como meio de troca, então como ele começou a ser aceito inicialmente? Sua resposta foi que, no passado, o dinheiro deveria ter sido um bem útil por si só, antes de se tornar meio de troca.
Ao aplicar esse princípio ao Bitcoin, surge uma dificuldade: ao contrário do ouro ou da prata, o Bitcoin não existia como mercadoria tangível antes de se tornar meio de troca. Isso levou alguns economistas a questionarem se o Bitcoin violaria o princípio da regressão. No entanto, há uma interpretação alternativa que sugere que o Bitcoin possuía um valor inicial como um ativo tecnológico e escasso. Nos seus primeiros anos (2009-2010), ele era utilizado por entusiastas da criptografia e defensores da descentralização como uma inovação experimental. Embora não tivesse aceitação ampla como dinheiro, sua utilidade como ferramenta tecnológica e símbolo de um sistema financeiro alternativo conferiu-lhe valor subjetivo.
Um exemplo prático desse período inicial foi a primeira transação comercial com Bitcoin: em 22 de maio de 2010, Laszlo Hanyecz comprou duas pizzas por 10.000 BTC. Esse evento é considerado um marco, pois demonstrou que o Bitcoin podia ser usado para trocas reais. Antes disso, ele era basicamente acumulado e trocado entre desenvolvedores e entusiastas sem uma cotação de mercado definida. Esse caso mostra que, antes de se tornar um meio de troca mais amplamente aceito, o Bitcoin já possuía um valor atribuído por sua comunidade inicial.
À medida que mais pessoas passaram a reconhecer o Bitcoin como uma reserva de valor, sua adoção se expandiu para nichos como mercados paralelos, e posteriormente, para empresas tradicionais. Um exemplo é a Tesla, que em 2021 anunciou a aceitação do Bitcoin como pagamento por seus veículos. Embora tenha recuado por questões regulatórias, esse episódio reforçou o papel do Bitcoin como um ativo aceito para trocas, o que fortalece sua posição dentro do princípio da regressão.
2. O Princípio da Utilidade Marginal de Menger e o Bitcoin
O conceito de utilidade marginal, formulado por Carl Menger em Principles of Economics (1871), explica que o valor de um bem não é determinado pelo seu custo de produção, mas pela sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas. Além disso, a utilidade de cada unidade adicional de um bem diminui à medida que uma pessoa acumula mais desse bem (lei da utilidade marginal decrescente).
No caso do Bitcoin, sua utilidade subjetiva variou ao longo do tempo e entre diferentes grupos de usuários. No início, ele era valioso principalmente para tecnólogos e defensores da descentralização, que o viam como uma inovação revolucionária. À medida que sua adoção cresceu, diferentes grupos começaram a atribuir novas utilidades ao Bitcoin: investidores passaram a vê-lo como uma reserva de valor, comerciantes como um meio de pagamento alternativo e pessoas em países com instabilidade monetária como uma forma de proteção contra a inflação.
Um exemplo prático da aplicação da utilidade marginal no Bitcoin pode ser observado na forma como seu preço reagiu à entrada de novos investidores institucionais. Quando empresas como MicroStrategy e Tesla começaram a comprar Bitcoin como ativo de reserva, a percepção de sua utilidade marginal aumentou, impulsionando seu preço. Da mesma forma, em países como Venezuela e Argentina, onde a inflação corroeu o valor das moedas locais, o Bitcoin passou a ser utilizado como uma alternativa ao dinheiro estatal, reforçando sua demanda.
Outro aspecto importante é o efeito rede na utilidade marginal do Bitcoin. No início, a utilidade de possuir Bitcoin era limitada porque poucas pessoas o aceitavam como pagamento. No entanto, à medida que mais empresas, serviços e indivíduos começaram a aceitá-lo, sua utilidade marginal aumentou, pois se tornou mais viável como meio de troca. Esse efeito pode ser comparado à adoção da internet: no começo, poucas pessoas a utilizavam, tornando-a menos útil. Com o tempo, conforme mais pessoas passaram a utilizá-la, sua utilidade cresceu exponencialmente.
Além disso, o Bitcoin enfrenta a questão da volatilidade da utilidade marginal. Durante períodos de alta especulação, sua utilidade como meio de troca pode diminuir, pois os detentores preferem armazená-lo na expectativa de valorização futura. Isso pode ser visto nos ciclos de alta do Bitcoin, quando sua taxa de transação diminui porque as pessoas preferem manter o ativo em vez de gastá-lo. Esse comportamento reforça a ideia de que sua utilidade marginal pode variar dependendo das condições do mercado e da percepção dos usuários.
3. Relação entre os Dois Princípios
Os princípios de Mises e Menger ajudam a explicar diferentes aspectos da valorização do Bitcoin. O princípio da regressão esclarece como o Bitcoin adquiriu valor inicial, mesmo sem um uso convencional anterior, enquanto o princípio da utilidade marginal explica como seu valor evoluiu conforme sua aceitação aumentou.
Isso mostra que, embora o Bitcoin não tenha começado como uma mercadoria física, seu valor inicial pode ser explicado pela percepção subjetiva de sua utilidade, tornando-o compatível com as ideias da Escola Austríaca. A interseção desses dois princípios reforça a legitimidade do Bitcoin como uma nova forma de dinheiro.
4. Referências Bibliográficas
MENGER, Carl. Principles of Economics. Ludwig von Mises Institute, 1871.
MISES, Ludwig von. The Theory of Money and Credit. Yale University Press, 1912.
SELGIN, George. On Ensuring a Sustainable Bitcoin Standard: Questions and Answers. Cato Journal, 2015.
WHITE, Lawrence. The Market for Cryptocurrencies. Cato Institute, 2018.
NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. 2008.
Rebateu o brother na classe 😂