"O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?..." dizia a canção do grupo Só Pra Contrariar, evocando uma reflexão profunda sobre o que realmente significa ser livre. Mas, afinal, o que é liberdade? Para alguns, trata-se apenas da possibilidade de fazer escolhas dentro dos limites impostos pelo Estado. Para outros, como os pensadores da Escola Austríaca de economia, a liberdade é algo muito mais profundo e essencial: é a ausência de coerção, a soberania do indivíduo sobre sua própria vida e propriedade.
Ludwig von Mises foi um dos primeiros a sistematizar esse pensamento, argumentando que a liberdade econômica é inseparável da liberdade individual. Para ele, a intervenção estatal nos mercados é uma forma de agressão que impede o funcionamento natural das trocas voluntárias e da cooperação social. Seu sucessor, Murray Rothbard, foi ainda mais longe, defendendo que qualquer forma de governo coercitivo é ilegítima e que a sociedade pode se organizar espontaneamente por meio de contratos e arranjos voluntários.
Ayn Rand, por sua vez, trouxe essa discussão para o campo filosófico, argumentando que a liberdade individual é a condição fundamental para que o ser humano possa exercer sua racionalidade e buscar a felicidade. Para ela, qualquer tentativa de submeter o indivíduo a uma coletividade forçada é uma violação de sua natureza e de seus direitos.
Mas se a liberdade é algo tão essencial, até onde podemos levá-la? O conceito de secessão surge como uma solução para escapar da coerção estatal. Se um grupo de indivíduos não deseja mais estar sujeito a um governo, por que deveria ser forçado a permanecer nele? E se isso é válido para regiões e comunidades, por que não poderia ser aplicado ao indivíduo? A ideia de soberania individual, onde cada um é o governante de si mesmo, é o ápice do pensamento libertário. Mises, apesar de não ser um libertário, trouxe o cerne da questão ao defender a secessão até o nível individual .
“Entretanto, o direito de autodeterminação de que falamos não é o direito de autodeterminação das nações, mas, antes, o direito de autodeterminação dos habitantes de todo o território que tenha tamanho suficiente para formar uma unidade administrativa independente. Se, de algum modo, fosse possível conceder esse direito de autodeterminação a toda pessoa individualmente, assim teria sido.” Ludwig von Mises, Liberalism, p. 110
Nesse cenário, o Bitcoin surge como um instrumento revolucionário. Criado para ser uma moeda descentralizada e resistente à intervenção estatal, ele permite transações seguras e sem intermediários. Mais do que isso, ele representa um ataque direto ao monopólio governamental sobre o dinheiro, devolvendo às pessoas o controle sobre sua própria riqueza.
A liberdade, contudo, é apenas um corolário de um princípio ainda mais fundamental: a propriedade. Para o libertarianismo, é a propriedade que constitui a base de todas as demais relações sociais e econômicas. Sem o direito à propriedade, não pode haver liberdade verdadeira, pois é através da posse de si mesmo e dos frutos do próprio trabalho que o indivíduo pode se autodeterminar.
Outrossim, sem a propriedade, também não há como definir a legitimidade, ou seja, quem pode fazer o quê. Definir a propriedade é proteger a vida, a moral, a liberdade e muitas outras consequências desta defesa.
Murray Rothbard argumenta que a propriedade privada é uma extensão da própria natureza humana. Seguindo os passos de John Locke, define-se o proprietário pelo método de aquisição originária, ou seja, à partir do momento em que um indivíduo misturou seu trabalho com os recursos naturais, ele passou a ter direito àquilo que produziu, outro indivíduo somente fará jus a tal recurso se negociar com ele, por uma apropriação voluntária e mercadológica ou, após o descarte do objeto por ele, tornando-se assim objeto de nova apropriação originária. Qualquer violação desse direito, seja por meio de impostos, regulações ou expropriações, é uma agressão contra sua soberania.
Hans-Hermann Hoppe leva essa ideia ainda mais longe ao demonstrar que a propriedade privada é um princípio axiomático. Ele argumenta que a simples tentativa de refutar a necessidade da propriedade implica numa contradição performativa, pois qualquer argumentação só pode existir em um contexto onde há direitos de propriedade sobre o próprio corpo e sobre os recursos utilizados para expressar pensamentos.
O Bitcoin, nesse contexto, aparece como um avanço inédito na defesa da propriedade. Por ser um ativo digital protegido por criptografia e distribuído em uma rede descentralizada, ele impede que governos ou terceiros interfiram na posse dos indivíduos sobre seus recursos. Assim, não apenas fortalece a liberdade econômica, mas também reforça o direito à propriedade como pilar inalienável da sociedade.
No final das contas, "essa tal liberdade" não é apenas uma ideia abstrata ou uma letra de música romântica. É uma luta constante contra as amarras do Estado, uma busca incessante por autonomia e autodeterminação. Como bem disseram os pensadores austríacos, a liberdade é indivisível, e qualquer concessão feita ao autoritarismo é um passo para a servidão.
Referências Bibliográficas:
Mises, Ludwig von. "A Ação Humana" e "Liberalism".
Rothbard, Murray. "O Manifesto Libertário" e "Ética da Liberdade".
Rand, Ayn. "A Revolta de Atlas".
Hoppe, Hans-Hermann. "Democracia: O Deus que Falhou".